Fundadores da milícia Liga da Justiça criam "obra social" no RJ; MP observa
A enorme placa instalada à frente de uma propriedade na Estrada Guandu do Sapê, em Campo Grande, bairro da zona oeste do Rio, anuncia em letras garrafais: Centro Social Jerominho. Aos 70 anos, o homenageado em questão ganhou projeção nacional no fim de 2008, quando foi indiciado pela CPI das Milícias como um dos criadores da organização criminosa autodenominada Liga da Justiça. O então vereador pelo antigo PMDB, Jerônimo Guimarães Filho, e seu irmão, Natalino José Guimarães (deputado estadual pelo então PFL), acabaram presos e condenados a mais de uma década de detenção.
Em liberdade desde o ano passado, os irmãos agora utilizam perfis nas redes sociais para divulgar a construção do espaço de 765 metros quadrados. No último post, publicado dia 26 de abril, Jerominho mostra a planta do centro social e afirma que o espaço terá oito consultórios médicos, dois odontológicos, além de salas de fisioterapia e cursos profissionalizantes.
Na prática, não há crime em oferecer assistência à população, mas a anunciada construção despertou a atenção de promotores do Ministério Público estadual. Sobretudo, com relação à origem dos recursos que serão usados para erguer o espaço e custear os serviços. A reportagem procurou os advogados de Jerominho e Natalino para solicitar entrevista com os ex-políticos, mas os defensores informaram que os irmãos não demonstraram interesse em dar entrevista (veja mais abaixo).
Foi Carminha Jerominho, filha do ex-vereador, que criou o perfil dos irmãos no Facebook. Já no primeiro post, Jerominho orgulhoso afirma que em pouco mais de 72 horas o perfil "Jerominho Natalino" havia recebido mais de 5.000 pedidos para adicionar amigos, a maioria de Campo Grande, reduto da Liga da Justiça, mas há também políticos e policiais na relação de colegas virtuais. Além de propagar o lado assistencialista do clã, o perfil da dupla vem sendo usado para criticar antigos aliados na política. Em especial o ex-governador Sérgio Cabral (MDB), condenado a mais de 183 anos de cadeia. Procurados pelo UOL, os advogados de Cabral não se manifestaram sobre as opiniões dos ex-políticos.
Antes de retornarem ao Rio de Janeiro no início do ano, Jerominho e Natalino passaram um tempo fazendo turismo por praias do Nordeste. Fotos de pescaria, reuniões familiares e refrescantes passeios à beira-mar compõem o mosaico de atividades pós-cárcere dos irmãos que chegaram a movimentar R$ 1 milhão por mês com a cobrança de "taxas de segurança" - na prática, extorsão - exigidas de motoristas de kombis e vans usadas no transporte de passageiros. As cifras foram estimadas pela Draco (Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas).
Críticos ferrenhos da corrupção no governo Cabral, eleito pelo mesmo partido de Jerominho, os irmãos pouco falam sobre seus crimes e as condenações que receberam da Justiça do Rio: "Como é público e notório, fomos presos e segregados, afastados mais de 2.000 quilômetros de nosso lar. Minha família inteira também foi perseguida pelos asseclas de Sérgio Cabral. Chegaram a colocar a Carminha em uma penitenciária masculina", acusa Jerominho num post, onde faz referência ao período em que ele e o irmão cumpriram pena na Penitenciária Federal de Mossoró (RN).
Carminha foi presa e teve o mandato de vereadora cassado sob a acusação de ter se beneficiado de recursos e da influência exercida pela milícia criada pelo pai e pelo tio. A VEP (Vara de Execuções Penais), contudo, nega que ela tenha sido encarcerada numa penitenciária masculina. A VEP também acompanha a movimentação da dupla nas redes sociais. Afinal, Jerominho e Natalino ganharam liberdade graças ao regime de progressão de pena, mas estão impedidos de se candidatar a cargos eletivo pelos próximos oito anos. O que não os impede de apoiar candidatos simpáticos ao clã.
Jerominho e Natalino também fazem mistério sobre como pretendem financiar a construção do centro social e os serviços que plenajam oferecer à população. Contudo, em um post publicado em março passado eles deixam claro que esperam contar com o apoio de parte da população:
"Vamos fazer nossa parte como sempre fizemos. Vamos usar a liderança que sempre tivemos em nossa região para beneficiar o povo. Vamos recriar os centros de atendimento social Jerominho. As obras do espaço físico para os atendimentos vão começar em abril. Gostaríamos de convocar voluntários, pessoas que se unam a essa luta pelos necessitados, ajudando de acordo com suas possibilidades (...) Convido especialistas diversos da área de saúde, empresários de todos os segmentos, professores, e todos os profissionais que têm alguma disponibilidade e interesse de participar dessa batalha por ajudar o próximo".
Batman e a Liga da Justiça
O relatório final da CPI das Milícias, presidida na Assembleia Legislativa do Rio pelo então deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) há mais de dez anos, mostra que no universo dos grupos paramilitares os pedidos de "colaboração" geralmente precedem a cobrança de taxas a comerciantes e moradores de regiões sob influência de milicianos. Não foi diferente com a Liga da Justiça. A milícia ganhou notoriedade por espalhar nas áreas dominadas imagens de morcegos semelhantes ao usado por Batman, o super-herói fictício das histórias em quadrinhos da DC Comics. Em Campo Grande, Batman era o apelido do ex-policial militar Ricardo Teixeira da Cruz, condenado a mais de 30 anos de prisão por assassinato.
Batman e Luciano Guimarães, também ex-PM e filho de Jerominho, formavam a "dupla dinâmica" da Liga da Justiça, acusada de praticar uma série de assassinatos de motoristas e representantes de cooperativas de transporte alternativo, as kombis que fazem lotadas na Zona Oeste. As vítimas, geralmente, eram assassinadas por ser negarem a pagar as "taxas de proteção". Ricardo Batman e Luciano foram condenados e estão presos.
No período em que Jerominho e Natalino cumpriam pena, a Liga da Justiça passou a ser chefiada por Wellington da Silva Braga, o Ecko, que nunca pertenceu aos quadros da Polícia Civil ou Polícia Militar, de onde saíram, respectivamente, Jerominho, Natalino, Ricardo Batman e Luciano Guimarães.
Ecko já havia sido investigado por ligação com o tráfico de drogas no Km 32, localidade de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. O ex-traficante convertido a miliciano foi o responsável pela expansão territorial da organização criminosa, que atualmente controla áreas na Zona Oeste do Rio e em municípios como Nova Iguaçu, Seropédica e Itaguaí.
Os advogados de Jerominho e Natalino afirmaram que eles não queriam dar entrevistas. Diante da resposta, a reportagem enviou mensagem ao perfil da dupla no Facebook, solicitando um posicionamento em relação à origem dos recursos para a construção do Centro Social Jerominho.
Batman e Luciano Guimarães, apontados em processos como principais matadores da Liga da Justiça, cumprem penas em penitenciárias de segurança máxima fora do Rio de Janeiro. Apesar de condenados, ambos negaram a autoria dos crimes em depoimentos à Justiça. Citado pela Polícia Civil como o atual chefe da Liga da Justiça, Wellington da Silva Braga, o Ecko, tem uma condenação por homicídio e está foragido. O Disque-Denúncia oferece recompensa de R$ 10 mil por informações que levem a sua captura. O UOL não conseguiu contato com o advogado do miliciano.
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